11/03/2009

O Homem Velho


Pobre do homem num mundo sem Deus...
Perplexo diante do paradoxo e da fatalidade,
pobre e patético homem,
caminhando sozinho em direção ao inevitável,
fingindo ser eterno sem crer na Eternidade.

Habita uma terra inerte e muda,
tomando seus frutos, destrói, dilapida.
Vaidoso e arrogante este que se crê
o único ser a desfrutar da vida.

Não menos cruel ele é entre humanos,
somente com os seus é capaz de dispor
de um pouco de afeto, atenção e respeito,

talvez mais por posse do que por amor.

Como pode ignorar o evidente
de que linhagens, posse e parentesco
traduzem-se em pó na linguagem do tempo,

partículas soltas nas mãos da Natureza,
que já não guarda afinidades ou sobrenomes
nem reconhece ancestrais ou descendentes.

A sua crença numa superioridade,
numa rela e intrínseca diferença
graças à vestimenta que ora usa
opõe-no ao mundo, como um desafio.

Suas crenças valem mais que quaisquer crenças;
suas cores, mais que as cores da Verdade,
sem ver que, a um canto, já falha o tecido,
a mão de Cronos a puxar-lhe o fio.

As obras que saem de suas mãos frias
voltam a elas, avolumadas materialmente,
mesmo que ao custo de, em seu percurso,
deixarem tantas mãos feridas e vazias.

A principal obra do homem
já não é a construção do Homem,
pois o homem já não reconhece o Homem
e nem sequer supõe sua existência.

Solto e sozinho, num mundo casual e injusto,
está desprotegido como uma criança.
Eis, entre nós, um homem realmente velho:
mortos os sonhos, morta a esperança.

Mas eis que se ergue o ancião e abre a janela,
deixando entrar, então, a luz do dia,
e, a despeito das leis da entropia
que regem este mundo plano e linear,

onde toca a luz, tudo transmuta:
o que parecia caos, em harmonia,
o desrespeito e o egoísmo em cortesia,
o homem velho num ser que já não tem idade.

Percebe, então, a sutil realidade:
o verdadeiro Ser supera idades
e paira, etéreo e livre, sob a luz,
e é dele mesmo, enfim, que ela irradia.

Lúcia Helena Arruda
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário