A Repetição
Délia Steinberg Guzmán
Embora esta palavra possa conter conotações psicológicas de "aborrecimento", o certo é que a repetição é uma das armas mágicas de que se serve a Natureza. Mais do que de repetição, deveríamos falar de reiteração, daquilo que nos obriga a voltar várias vezes sobre as mesmas coisas até ficarem devidamente assimiladas. Em oposição ao valor pedagógico da reiteração, o nosso mundo atual exalta as novidades e o que muda constantemente. Porem, não é preciso muita perspicácia para constatar que por esse caminho não se chega a lado nenhum.
Façamos uma breve análise de uma e de outra atitude: a mudança e a reiteração.
O variável é uma triste máscara com que se encobre a ignorância.
O que pouco ou nada sabe julga que na variedade está a demonstração do seu domínio sobre muitas coisas. No entanto, uma breve analise leva-nos à conclusão de que, geralmente, essas muitas coisas são dominadas superficialmente e mal.
Hoje começa-se uma coisa, amanhã outra... Hoje lê-se um livro, amanhã outro... Hoje mergulha-se em alguma doutrina filosófica, amanhã noutra... Hoje sente-se simpatia por uma determinada personagem, amanhã por outra... Hoje trabalha-se por umas idéias, amanhã por outras...
Lança-se também o conceito ambíguo de “criatividade”, quando, na realidade, é preciso saber para criar, e saber custa tempo e repetições. Fala-se de uma espontaneidade que deve governar os atos humanos para que cada um exprima aquilo “que vem do seu interior”. Mas, a que “interior” nos referimos? Mal se passa a barreira do corpo começa “o interior”, e aí podemos encontrar desde paixões aberrantes até êxtases místicos... Se se trata de “exprimir”, haverá que exprimir o melhor que possuímos, criar na base do melhor que somos, pois o pior já se manifesta sem que lhe exijamos demasiado.
Há que enfrentar, a partir deste ponto de vista, uma obra de construção humana, onde a variabilidade tem muito pouco que fazer. As grandes pirâmides egípcias que nos surpreendem pelo seu tamanho, foram levantadas com pedras muito semelhantes umas às outras, só que habilmente colocadas e dirigidas para o alto.
Na outra face da moeda encontramos a reiteração e vemos nela a Lei com que se maneja o Cosmos inteiro. Basta analisar, por exemplo, a lei do eterno retorno; basta tomas consciência dos ciclos de manifestação que fazem com que as coisas apareçam e desapareçam.
A Natureza repete incessantemente as suas estações, seus dias e noites; milhões de vezes a semente germina na terra da mesma maneira. E outros tantos milhões de vezes, o nosso espírito submerge-se na matéria procurando despertar para o seu verdadeiro Ser.
Como parte que somos da Natureza, não seguiremos, porventura, o mesmo ritmo?
Repetir, repetir, repetir... não por enfado, mas pela imperiosa necessidade da perfeição. O que repete não faz sempre o mesmo: fá-lo cada vez melhor, sente-se crescer em cada novo ato de aprendizagem.
Um outro exemplo de peso –para além do já mencionado exemplo da Natureza- é o conteúdo dos Textos Sagrados de todos os tempos. Umas poucas idéias fundamentais giram sob mil formas aparentemente diversas, apenas para criarem a ilusão da novidade, ou talvez para nos demonstrarem que no fundo existe uma única Verdade. A reiteração é o estilo predileto dos Grandes Mestres, nos que, modestamente, nos inspiramos.
Por que é que a Natureza se repete nos seus ciclos? Por que é que vimos tantas vezes à vida em novos corpos? Por que é que os ensinamentos espirituais nos reiteram sempre as mesmas idéias? A resposta é bem clara: porque ainda não aprendemos a lição, porque não assimilamos a experiência necessária, porque ainda estamos na ignorância e na evolução.
Tomando consciência deste fato abrimos possibilidades para uma verdadeira mudança. As mudanças não são deslocamentos laterais: a mudança definitiva é a que leva o homem verticalmente desde a sua obscuridade material até ao seu brilho espiritual. Mas para percorrer este caminho vertical há que assumir a Verdade; para chegar à Luz há que reconhecer as sombras; para chegar à meta há que dar muitos passos parecidos uns aos outros, enquanto avançamos na Senda um pouco mais para frente e um pouco mais para o alto.
Consideremos seriamente o valor da reiteração. Não desprezemos este ensinamento universal. Mas atenção: aquele que se limita apenas a repetir, acaba por se robotizar e odiar o que está a fazer; o que repete procurando a perfeição satisfaz-se com cada um dos seus atos, encontrando neles essa pequena parte de superação que encerram. Aquele que se limita apenas a repetir, perde habilidade cada dia que passa; o que procura a perfeição, é um pouco melhor todos o dias.
Quem se limita apenas a repetir, cumpre atos; quem procura a perfeição, realiza atos; quem se limita apenas a repetir, envelhece irremediavelmente e quem repete na procura da perfeição está cada vez mais próximo da juventude eterna, da “Afrodite de Ouro”.
Artigo escrito em Junho de 1992
Embora esta palavra possa conter conotações psicológicas de "aborrecimento", o certo é que a repetição é uma das armas mágicas de que se serve a Natureza. Mais do que de repetição, deveríamos falar de reiteração, daquilo que nos obriga a voltar várias vezes sobre as mesmas coisas até ficarem devidamente assimiladas. Em oposição ao valor pedagógico da reiteração, o nosso mundo atual exalta as novidades e o que muda constantemente. Porem, não é preciso muita perspicácia para constatar que por esse caminho não se chega a lado nenhum.
Façamos uma breve análise de uma e de outra atitude: a mudança e a reiteração.
O variável é uma triste máscara com que se encobre a ignorância.
O que pouco ou nada sabe julga que na variedade está a demonstração do seu domínio sobre muitas coisas. No entanto, uma breve analise leva-nos à conclusão de que, geralmente, essas muitas coisas são dominadas superficialmente e mal.
Hoje começa-se uma coisa, amanhã outra... Hoje lê-se um livro, amanhã outro... Hoje mergulha-se em alguma doutrina filosófica, amanhã noutra... Hoje sente-se simpatia por uma determinada personagem, amanhã por outra... Hoje trabalha-se por umas idéias, amanhã por outras...
Lança-se também o conceito ambíguo de “criatividade”, quando, na realidade, é preciso saber para criar, e saber custa tempo e repetições. Fala-se de uma espontaneidade que deve governar os atos humanos para que cada um exprima aquilo “que vem do seu interior”. Mas, a que “interior” nos referimos? Mal se passa a barreira do corpo começa “o interior”, e aí podemos encontrar desde paixões aberrantes até êxtases místicos... Se se trata de “exprimir”, haverá que exprimir o melhor que possuímos, criar na base do melhor que somos, pois o pior já se manifesta sem que lhe exijamos demasiado.
Há que enfrentar, a partir deste ponto de vista, uma obra de construção humana, onde a variabilidade tem muito pouco que fazer. As grandes pirâmides egípcias que nos surpreendem pelo seu tamanho, foram levantadas com pedras muito semelhantes umas às outras, só que habilmente colocadas e dirigidas para o alto.
Na outra face da moeda encontramos a reiteração e vemos nela a Lei com que se maneja o Cosmos inteiro. Basta analisar, por exemplo, a lei do eterno retorno; basta tomas consciência dos ciclos de manifestação que fazem com que as coisas apareçam e desapareçam.
A Natureza repete incessantemente as suas estações, seus dias e noites; milhões de vezes a semente germina na terra da mesma maneira. E outros tantos milhões de vezes, o nosso espírito submerge-se na matéria procurando despertar para o seu verdadeiro Ser.
Como parte que somos da Natureza, não seguiremos, porventura, o mesmo ritmo?
Repetir, repetir, repetir... não por enfado, mas pela imperiosa necessidade da perfeição. O que repete não faz sempre o mesmo: fá-lo cada vez melhor, sente-se crescer em cada novo ato de aprendizagem.
Um outro exemplo de peso –para além do já mencionado exemplo da Natureza- é o conteúdo dos Textos Sagrados de todos os tempos. Umas poucas idéias fundamentais giram sob mil formas aparentemente diversas, apenas para criarem a ilusão da novidade, ou talvez para nos demonstrarem que no fundo existe uma única Verdade. A reiteração é o estilo predileto dos Grandes Mestres, nos que, modestamente, nos inspiramos.
Por que é que a Natureza se repete nos seus ciclos? Por que é que vimos tantas vezes à vida em novos corpos? Por que é que os ensinamentos espirituais nos reiteram sempre as mesmas idéias? A resposta é bem clara: porque ainda não aprendemos a lição, porque não assimilamos a experiência necessária, porque ainda estamos na ignorância e na evolução.
Tomando consciência deste fato abrimos possibilidades para uma verdadeira mudança. As mudanças não são deslocamentos laterais: a mudança definitiva é a que leva o homem verticalmente desde a sua obscuridade material até ao seu brilho espiritual. Mas para percorrer este caminho vertical há que assumir a Verdade; para chegar à Luz há que reconhecer as sombras; para chegar à meta há que dar muitos passos parecidos uns aos outros, enquanto avançamos na Senda um pouco mais para frente e um pouco mais para o alto.
Consideremos seriamente o valor da reiteração. Não desprezemos este ensinamento universal. Mas atenção: aquele que se limita apenas a repetir, acaba por se robotizar e odiar o que está a fazer; o que repete procurando a perfeição satisfaz-se com cada um dos seus atos, encontrando neles essa pequena parte de superação que encerram. Aquele que se limita apenas a repetir, perde habilidade cada dia que passa; o que procura a perfeição, é um pouco melhor todos o dias.
Quem se limita apenas a repetir, cumpre atos; quem procura a perfeição, realiza atos; quem se limita apenas a repetir, envelhece irremediavelmente e quem repete na procura da perfeição está cada vez mais próximo da juventude eterna, da “Afrodite de Ouro”.
Artigo escrito em Junho de 1992
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